… destinado a ser
professor, tudo começou a tornar-se diferente quando o menino, embora bom
aluno, demorava demasiado tempo contemplando o mar. Minucioso e atento, ficava
pensativo olhando os casos, as paisagens e as gentes e escrevia tudo isso na
memória do sentir, que é a arca onde se guardam as coisas cá de dentro.
Muitos anos depois,
nunca se fez gente como deve ser. Diz na cara o que não deve; habita refugiado
no campo, fora dos locais recomendados; iconoclasta e truculento, vira-se com facilidade
e ferocidade contra as mais palacianas injustiças; aos costumes diz o mínimo;
intratável e teimoso; gordo, forte, generoso e intempestivo; gosta de sujar as
mãos na terra e no barro; maneja a escrita perigosamente, como arma, como
chama; e anda por aí, sem tino. Reformado prematuro, andarilho do sol e da
amizade, percorre espaços infinitos e reconta. Reconta tudo, como se fosse a
primeira vez.
PEDRO BARROSO (in "Cantos
Falados", 1996)
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