Eclectismo
Musical (EM): Com pragmatismo, ainda que com algum sentimento de enorme
injustiça, teremos que dizer que o Pedro Barroso (O trovador, já que existe um
outro mediático via "morangadas” da TV) é um perfeito desconhecido para as
novas gerações. O que diria a estes jovens (e outros nem tanto) sobre o seu
legado?
Pedro
Barroso: Venham assistir a um concerto meu e ficarão a
saber como comunico e que recados trago na bagagem e na poesia que faço.
Normalmente no fim vêm confessar a sua surpresa e ficam seduzidos, pois tenho
tido provas de ser transversal e intergeracional.
EM: Para alguns (infinitamente redutores) o Pedro Barroso é o cantor popular da “perninha da menina”, para outros, uma espécie de eremita afastado dos círculos sociais, quem é realmente o Pedro Barroso depois de mais de 40 anos de carreira?
Pedro
Barroso: O menos «perninha da menina» que é possível –
que nem faz normalmente parte do alinhamento dos concertos…- pois toda a minha
obra de há 30 anos a esta parte é dedicada ao sonho de um mundo melhor, mais
humano, mais solidário, ao amor pela história, às artes infinitas da intimidade
e da ternura, ao erotismo, à intervenção - não panfletária, mas outrossim
atenta e sempre procurando semânticas da inteligência e da sensibilidade…
EM:
Considera que o seu espírito inconformista, de constante intervenção social,
por vezes mesmo de crítica mordaz, bem como a conotação política que lhe
está associada desde os tempos das campanhas de dinamização cultural
organizadas pelo MFA e posteriores intervenções cívicas, marcou, limitou e
condicionou significativamente a sua carreira e a forma como as pessoas o vêem?
Pedro
Barroso: Estou no ponto de vida e de carreira em que
me estou absolutamente a afastar do que pensem e dos alinhamentos recomendáveis.
Sou, existo e intervenho criticamente – basta. O meu corrosivo livro "o
país pimba" é muito explicativo sobre isso. A ironia é uma arma letal. Um
problema é que os verdadeiramente estúpidos e medíocres não a entendem. E os
verdadeiramente culpáveis e corruptos percebem que é com eles, mas já perderam
a vergonha há muito tempo.
Mas
direi que sim – se tivesse aceitado condições político partidárias ou qualquer
outro tipo de arregimentação visível ou oculta, provavelmente seria o ícone que
a espaços referenciam em mim os verdadeiramente livres e independentes de
critério, como vejo nos comentários que de mim fazem no youtube.
Assim, sou um desconhecido, que para uns milhares de pessoas de sensibilidade é
quase um guru da diferença e para os outros é absolutamente ninguém.
EM: Ou seja, tal como por exemplo um Sílvio Rodriguez ou um Vítor
Jara, ainda que com níveis de participação e história conjectural
substancialmente diferentes, considera que dissociar a arte e o artista, das
suas convicções políticas, é um exercício exequível? Ou, por outro lado, é uma
tentativa que nem sequer faz sentido?
Pedro Barroso: Eu
tenho dificuldades em controlar o Pedro Chora, o meu heterónimo pintor, por
exemplo. O homem é louco e arrojado, não tenho mão nele… e muitas vezes
acontece-me o mesmo com o Barroso, tenho de o travar para não ser tão chato e
excessivamente palavroso gongórico e criptado na sua erudição. Sou
cooperativista mas também sou pela propriedade privada. Não há partido em que
me reveja e nas eleições esse meu não alinhamento diverte-me imenso, respondo
apenas perante a minha consciência. Mas uma boa canção sobre a ternura humana,
o entendimento da montanha, o sonho do futuro, não pode ter peias nem emblemas
ou nunca seria livre
Nos antípodas, o artista engajado a uma força politica concreta,
fica condenado a uma espécie de disciplina criativa e temática que, peço
desculpa, mas, me repugna.
EM: O Pedro dizia, em 1999, que "Vivemos dias
cinzentos. Dá vontade de voltar à canção de intervenção com ironia e rigor
poético". Perante a actual situação do País, para além de iniciativas
como a manifestação «facebook», onde marcou presença, considera possível voltar
à canção de intervenção?
Pedro Barroso: Toda
a canção pensada de forma profunda reflecte e faz parte da estrutura de onde
nasce, isto é, a nação onde vive e cresceu a ideia criativa. Grande parte dos
políticos actuais são aldrabões e oportunistas e não prestam. Precisam de ser
enxotados e desconfiam dos homens da cultura como cães perigosos que podem
expor a sua incompetência. Ser culto é uma forma de intervir – eles sabem disso
e não gostam. Não é preciso uma canção dizer mata e esfola. Basta ter
profundidade, tema, inteligência, humanidade, visão livre das coisas e ideias e
já estará a ser de “intervenção” Mas que isto está a precisar de outro sistema
e outra nomenclatura… está sim senhor!
EM: A propósito, qual considera ser o «estado d'arte» da música
feita em Portugal?
Pedro Barroso: Sei
pouco do que se faz e não gosto da maior parte das porcarias que ouço na rádio
e vejo na TV. Aprendi com o ZECA, fiz palco também com o Fanhais; o Adriano;
Janita; o Vitorino; o Julio Pereira; o Fausto; o Tordo; o Carlos Mendes; o
Paulo; o António Macedo. Bebi inspiração na Barbara; no Brel; no Becaud; no
Aznavour; na Piaf; no Cohen; no Pete Seeger, eu sei lá quem é esta gente que
hoje comanda os prémios e o tempo de antena todo que anda por aí…Nem quero
saber, é-me indiferente! Vingo-me assim – eles não sabem quem eu sou e eu
raramente também sei quem são estes modernos…
EM: No entanto, a sua carreira é muito mais do que apenas músicas
de intervenção ou de alerta e consciencialização social. Bastará recordar meia
dúzia de canções de Amor, com «Menina dos olhos d’água» à cabeça e o peso da
Mulher na sua Arte, na música, nos poemas, nos livros, na pintura (enquanto
Pedro Chora, o "pré-verso") O Pedro é um eterno apaixonado?
Pedro Barroso: Gosto
muito de alguns animais lindíssimos que há na natureza, sim. Entre eles o tigre
da Sibéria, o cavalo lusitano e obviamente, a fêmea do homem – esse espanto da
sedução e do capricho, esse ser da tesão e da beleza que é a mulher - quando
sabe sê-lo… perdoem-me o humor, claro…
Uma mulher bonita fura a eternidade e faz poesia por si. Sou um
enorme admirador. Assumo.
EM: Em 1987 escreveu: “é tão difícil encontrar pessoas assim
bonitas / é tão difícil encontrar pessoas assim pessoas” (Música: Bonita) De lá
para cá, o balanço que faz das pessoas que foi conhecendo é mais positivo ou
mais negativo?
Pedro Barroso: Estão mais bonitas por fora. Fazem plásticas, piercings e depilam-se e tudo. Elas e eles. Mas por dentro… ai que longe de serem o que é preciso…eu é que aprendi talvez a seleccionar melhor quem me entra na intimidade.
EM: Vive na sua casa de Riachos na tranquilidade do campo,
afastado dos grandes centros (“e digam por favor de onde nasce o sol/que eu
basta-me o calor – para lá me voltarei”) A solidão da criação e da fruição dos
dias é fascínio, opção ou, passe a expressão, falta de paciência para
pessoas?
Pedro Barroso: Muita
falta de pachorra. E sou exclusivo e muito secreto também. Não facilito muito,
confesso, a intrusão nos meus espaços. Gosto imenso de estar sossegado e fazer
muito pouco. Por exemplo tenho imensa arte - escultura e pintura sobretudo -
nas minhas casas. Se a pessoa que a visita não perceber as paredes que está a
ver, para quê fazer amizade com um imbecil? Se não entende os recados que estão
numa canção, e me disser apenas que está muito bem cantada e que tenho uma bela
voz, para quê discutir com ela as intenções que presidiram à canção? Tenho
lados de mim que são muito, muito selectivos e só experts poderão penetrar. Se
o conseguirem fazer, ok, são suficientemente inteligentes e cúmplices para merecerem
a minha amizade. Se não me percebem, então por favor também não me chateiem.
Sou muito preguiçoso e gosto imenso.
EM: Depois do «dramático» anúncio do final de 2010 sobre o seu
abandono dos palcos, a verdade é que, em 2011, continua a poder ver-se, ainda
que esporadicamente, o Pedro em concerto. Foram «os amigos» a convence-lo ou
continua a sentir “fome de palco”?
Pedro Barroso: Eu
disse que terminava os grandes concertos, os de mais de duas horas sem
intervalo. E acabei. Hoje faço concertos de uma hora. E trabalho o menos que
posso. Mas o palco nunca se recusa, é um sitio mágico onde vivi os melhores
momentos da minha vida.
EM: Em 2009 gravou «Esperança» com a Tuna de Veteranos de Viana do
Castelo. Como surgiu o convite?
Pedro Barroso: Eles
contactaram-me, tinham uma versão; senti curiosidade e fui. Ficamos muito
amigos.
EM: Perante a excelência e riqueza da sua obra, o exercício de
escolher os seus melhores poema é algo extremamente difícil e ingrato. No
entanto, «Excesso» é provavelmente a sua canção mais íntima, a que mais provoca
“cócegas na alma”. Partilha desta visão? O criador consegue preferir algum dos
seus “filhos”?
Pedro Barroso: "Nah"
Há tantas coisas que gosto que era impossível. Mas há canções que ainda hoje me
arrepiam e outras que me espanto como consegui fazê-las.
EM: Uma curiosidade, enquanto professor, orador e comunicador de
excelência, o que lhe parece o presente Acordo Ortográfico, a que, alguns,
chamam de Novo?
Pedro Barroso: Um
disparate sem sentido, com cedências que nem muitos intelectuais brasileiros
compreendem!
EM: Que nome colocaria no seu "Festival de Música"
ideal?
Pedro Barroso: "Esqueça
tudo o que ouviu", talvez...ou "Vamos cantar baixinho", sei
lá...
EM: O que está a criar neste momento? Podemos esperar algum
material novo nos próximos tempos?
Pedro Barroso: Deve
chamar-se "itinerários do amor e da revolta"e está em gravação mas avança
lentamente …talvez para o fim do ano se tudo correr bem.
EM: Que mensagem deixaria às gerações mais jovens sobre o
Futuro?
Pedro Barroso: Leiam,
fascinem-se procurem. Ouçam as coisas que ninguém ouve; e nunca achem que muito
barulho equivale a muita razão - nem na politica nem na música. Sonhem muito.
Vivam o vosso tempo e a vossa idade. Amem muito mas busquem o fundo do mar e o
pico da montanha. Ouçam o Barroso, já agora, escondidos ao fim da noite, nem
que seja em grupos clandestinos. Abracem o futuro com ganas de mudança. Criem
outros políticos e outro sistema. Sejam sempre livres por dentro, que é o sitio
certo para nunca ser agrilhoado.
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