Pedro Barroso: “Não
quero legar aos meus filhos e netos uma pátria sem sentido”
Após quase três anos de ausência forçada, Pedro Barroso volta aos palcos e aos discos. Sábado, 7 de Janeiro, actuará no Tivoli BBVA, em Lisboa, às 21h30.
NUNO PACHECO
3 de Janeiro de 20
“Em
cima do palco, eu estou a comunicar emoções”, diz Pedro Barroso.
Quem o veja e ouça, agora, não notará qualquer diferença. Pedro
Barroso continua espirituoso e bem-humorado, com a habitual fina ironia, mesmo
quando olha os últimos anos em retrospectiva. Mas ele não viveu tempos fáceis,
neste período em que só pelo Facebook foi dando conta daquilo por que passava.
O importante, porém, é que está de volta e este regresso tem um sabor a
vitória.
Cantos de Sempre, o espectáculo que ele apresenta no próximo sábado, 7 de
Janeiro, no palco do lisboeta Tivoli BBVA, às 21h30, retoma, no dizer do
músico, “referências indeléveis e raras”, canções e coisas que “vale a pena que
nos sobrevivam e perdurem pelos tempos.” Isto é o que ele escreve no texto que
anuncia o espectáculo. Mas numa sala do Tivoli, dias antes de subir ao palco,
revê por breves instantes os quase três anos em que foi forçado a deixar a
ribalta. Editara, em 2012, um disco (Cantos
da Paixão e da Revolta) e um livro (Memória
Inútil de Mim), e em 2013 um CD+DVD (Memória
do Futuro). Quando saiu o disco seguinte, Palavras ao Vento, em Abril de 2014, já não se sentia bem. “Oito
dias depois do lançamento tive o meu primeiro problema de saúde. E estive
ausente, em hospitalizações gravíssimas, durante alguns meses.” O disco já
trazia essa marca. “É um disco triste. Ou, pelo menos, onde estou a prever que
alguma coisa de muito grave se vai passar comigo. Porque estava fisicamente a
rebentar pelas costuras. Quis deixar esse legado, que tem uma ironia ácida e
alguma tristeza. E há temas que são quase premonitórios.”
Apesar de ter passado por momentos de “grande sofrimento
pessoal” (não conseguia passar pela sala onde tinha o piano, por fisicamente
não conseguir tocá-lo), resistiu estoicamente. “Talvez o meu passado desportivo
me tenha ajudado”, diz. Isso e os estímulos de amigos, pelo Facebook.
A forma como Pedro Barroso encara a vida faz com que traga para
o palco, do tal “disco triste”, pelo menos a canção que lhe dá título. “Vou
tocar o tema Palavras ao vento.
Porque é, de certo modo, aquilo que nos sobra, as palavras. É bonito e vou
tocá-lo a solo; porque é o regresso a conseguir tocar, o regresso a um ponto de
partida que acabou por ser um ponto de largada.” Tocará, como sempre, viola e
piano, que voltou a dominar, com perseverança. “Componho mais ao piano, mas
tenho um caso de amor muito grande com o primeiro instrumento que tive, que é a
viola. De certo modo, é toda a idiossincrasia da nossa criatividade como
autores, os da geração do Zip-Zip.”
De repente, há uma frase que lhe sai e o diverte, embora a leve
muito a sério. Repete-a: “Em cima de um palco, eu estou a comunicar
emoções." Mas essas emoções trazem um pensamento, e este parte de
preocupações sociais. “A que é que nos podemos agarrar hoje? O que é que
sobrou? Nós em 2016 perdemos referências extraordinárias, como o Leonard Cohen,
por exemplo. As pessoas estão desiludidas, temos na Europa coisas impensáveis
há meia dúzia de anos como o 'Brexit'; temos os sujeitos da Turquia e da
Hungria, que são déspotas perigosíssimos; temos na América a eleição de um
clown, depois da surpresa lindíssima de termos na Casa Branca um homem de
inteligência, cultura e sensibilidade; temos a França, que pode vir a eleger
sabe-se lá quem…”
Perante tantas incógnitas, Pedro Barroso insiste no papel social
da arte, dos criadores. “Para alterar alguma coisa na sociedade é muitíssimo
importante a criação. O autor desempenha um papel enorme na criação de novos
arquétipos e o caminho tem de ser por aí, pela inteligência e pelo
conhecimento. Isso é uma coisa que se vai aprendendo com a idade. Quando se
começa a cantar, no fundo quer-se palmas, viagens, aeroportos, sucesso
imediato, etc. E depois começa a perceber-se que esse é o caminho por onde não
se deve ir. Eu sempre me sintonizei muito com a diferença e com estas pessoas
que vêm assistir a espectáculos, de onde quer que seja.” Para o dele foram
feitas reservas, soube-o pelos dados da bilheteira online, de todo o país e do
estrangeiro.
Um novo disco em 2017
Em palco, Pedro Barroso vai revisitar canções de todo o seu
repertório. “Sinto que estou a viver um prolongamento que me foi dado pelo
Árbitro das Coisas, e que me permite viver mais um tempo com a fruição,
importantíssima, do sentido crítico. E a capacidade, que tinha perdido, de
voltar a tocar e a comunicar.” Mas também terá inéditos: "Pelo menos um
tema, Liberdade, que vou gravar no
próximo disco, e onde digo: 'Venho da Gare d’Austerlitz/ da Livraria Joie de
Lire'... Ora essa Europa morreu. E temos de apelar à capacidade de sopesar o
sonho e a sua concretização, em diferentes pratos da balança, para conseguirmos
equilibrar tudo isto e manter a Europa dos valores. Eu não quero legar aos meus
filhos e netos uma pátria sem sentido, uma humanidade sem horizontes.”
O novo disco vai ser gravado em Janeiro, ele conta entrar em
estúdio dia 23. “Vai ser, cada vez mais, um disco de comunicação alternativa,
de sensibilidade aos problemas das pessoas, de humanismo, da maneira de estar
por dentro das coisas.”
Com Pedro Barroso (voz, viola e piano) estarão em palco Susana
Castro Santos e Luís Sá Pessoa, violoncelos, Miguel Carreira, no acordeão e
viola, David Zagalo, nas teclas, Manuel Rocha (da Brigada Victor Jara), no
violino, e Ana Alves (da Escola de Bandolins da Madeira), no bandolim. “Vai ser
uma noite para a memória, de certeza. Para a minha e para a das pessoas que
vierem.”
nuno.pacheco@publico.pt
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